Nobody loves me, is true. A música paira nos meus ouvidos, a voz da Beth Gibbons adoça esta triste constatação
Percorro a calçada do Príncipe Real, encontro-te submersa numa vitrina que espelha Lisboa em palavras.
Olho-te por essa janela indiscreta onde repousa uma garrafa de vinho vazia sobre a mesa, e as tuas mãos que beliscam a caneta. Questiono-me o que estarás tu a escrever?! As memórias sobre o Tejo num intenso véu vespertino?
Vagueio na imagem que me prendeu o olhar solto na mulher dos lábios vermelhos.
A tua beleza é refém desta mostra de vidro que nos separa.
Imagino de que cor será o traço das linhas divergentes, na criação da senda dos teus sonhos.
Julgo-me incapaz de absorver tamanha beleza. Trindade responde ela ao meu chamado.
Só eu a vejo, como se uma tela a cheirar a fresco ponteando a frescura bucólica da manhã.
Deixo-lhe recados sobre a mesa quando se ausenta para almoçar, escritos de Al Berto que se estendem nas paredes.
Não lhe dou pistas de quem eu sou, retraio-me na minha morada abraço a continuidade do meu refúgio.
Hoje remeto-lhe o seguinte enigma: “Em Nome da Rosa. Encontrarás a luz que tanto anseias. No retardar da recolha da noite procura a esquadria.”
Destacando cada palavra que lhe deixei, começa a analisar estas, e conjuga-as de forma a se descodificarem em algo físico.
- Hum, ‘Em Nome da Rosa’, parece-me ser o meeting point – pensa Trindade em voz falta franzindo o sobrolho.
- Luz, símbolo alegórico de conhecimento e de iniciação.
-E por último, a esquadria que se reporta para um instrumento: o esquadro. – Ora bem, o esquadro poderá ser um ícone indicativo do espaço onde me parece ser o meeting point.
Trindade começa a questionar-se o porquê deste enigma, fazendo relações hipotéticas com a sua pessoa.
Os dias fazem-se distantes e soturnos, o frio embarga a cidade iluminada, Trindade prepara-se para o fim-de-semana que se adivinha. Sexta-feira 13.
Trindade formou-se em Peritagem de Arte para continuar o negócio de alfarrabistas e antiguidades de família. Cronista e jornalista. Regressa a Lisboa, sua cidade natal, após quatro anos de ausência.
Hoje faz trinta e três anos, preparei-lhe uma surpresa silenciosa. Espreito-a sobre a esquina escondida, desejando-a como amante para o resto da vida. A sua tez pálida contrasta com o olhar adornado pelo rímel, esvoaçando as pestanas que a trariam até mim.
À sua porta, ela repara que lhe deixei mais um enigma, o último: À entrada do templo, néofita vê a luz. O sol impera sob a esfinge, ao subir da lua, o triângulo completará o seu terceiro elemento.
Estas mensagens passam a ser óbvias para Trindade, no entanto, ela não sabe quem a irá receber.
Ignorando o significado destas mensagens secretas, parte para o Bairro Alto. Sobre a alçada dos trilhos outrora percorridos, este bairro transpira Trindade. As entradas das portas desconhecidas eram o seu sofá. Deleitando-se a observar as gentes animadas de copo em copo a percorrer rua acima, rua abaixo, a discoteca bairrista, tornava-se um poço sem fundo de histórias vividas.
Os seus amigos estranharam o seu olhar ausente. Algo a perturbava, as mensagens tilintavam na sua cabeça. A curiosidade apodera-se dela, e decide ir ao encontro do seu mensageiro.
- Lamento a minha ausência mas a lua não espera por mim, diz Trindade aos seus amigos.
Trindade sabe onde dirigir-se, à rua do Grémio Lusitano. O templo aguarda pela sua chegada.
À entrada do templo reconhece o esquadro na porta, que integrava o escrito do primeiro enigma. Surjo-lhe. Esboça uma expressão atónita de quem não estava a espera que fosse eu o seu emissário secreto.
Trindade e eu, não vivemos um romance, mas aspirámos os mesmos ideais e valores, que se compreendiam na nossa existência.
Conhecemo-nos antes da sua viagem para Atenas, onde residiu durante quatro anos. A sua partida inesperada, ressequiu os laivos da paixão que em nós se romperam a cada instante partilhado num olhar.
- Gonçalo! Mas… não entendo…
- Calma Trindade.
O seu discurso hesitante e perplexo deixou de o ser quando lhe pego na mão, e entramos no templo.
Afinal os desejos mantinham-se e o que nos unia será sempre o elo que nos fará caminhar na mesma direcção.
Fui o responsável de introduzir Trindade na luz que ela tanto esperava alcançar, a noviça fez-se entrar no templo.
Daqui em diante seguiremos rumos convergentes, embora sobre os mesmos princípios, ela será acolhida no seio feminino.
Afinal, foram beijos perdidos. Enquanto a vida se refaz num breve suspiro, retira o fôlego daquele que provou um instante teu.